[GTER] RES: Sobre solicitação de informações de clientes de ISP por autoridades
Fernando Frediani
fhfrediani at gmail.com
Sat Oct 23 20:36:35 -03 2021
Olá Felipe
Excelente contribuição para o assunto em discussão.
Você foi bastante preciso e é exatamente isso que disse que está no
Marco Civil. Essas autoridades podem pedir pro ISP guardar os registros
por um tempo um pouco maior do que o mínimo estipulado na lei (1 ano)
mas sem ainda ter acesso à esses dados e posteriormente ir pedir acesso
à essa quebra de sigilo para o juiz.
Infelizmente vejo vários pedidos de Delegados de Polícia citando a Lei
das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) como justificativa pra
terem acesso aos dados sem a necessidade de uma autorização judicial,
porém tem algo muito importante nisso para se observar.
A referida lei dá a eles a prerrogativa de ter acesso *apenas aos dados
cadastrais do cliente* desde que ele saiba quem é o investigado. No
entanto quando o solicitante envia o ofício ele *não sabe ainda quem é a
pessoa* e está pedindo para o provedor realizar uma quebra de sigilo
baseado em *registros de conexão de Internet* e identificar a pessoa e
então enviar os dados pessoais dele, ou seja, nada a ver com essa outra lei.
Outro ponto a se observar é que leis que falam de sigilo telefônico ou
de telecomunicações não necessariamente se aplicam na seara da Internet,
afinal, apesar de muita gente ainda confundir vale repetir que "Internet
não é telecomunicações". Já a Lei do Marco Civil fala especificamente
sobre questões de Internet.
Fernando
On 21/10/2021 03:08, Felipe Drummond wrote:
> Prezados,
>
> sou da área jurídica, atualmente Defensor Público, mas como uma espécie de
> hobbista do setor de telecom, gosto de ler esse grupo.
>
> Permitam-me algumas considerações.
>
> *RESERVA DE JURISDIÇÃO* é o nome que se dá aos poderes exclusivos do juiz.
> Decretação de prisão (ex: prisão preventiva) é um deles (outras pessoas só
> podem prender em flagrante delito).
> Interceptação telefônica ("grampo") é outro deles.
>
> O Marco Civil da internet é claríssimo ao conferir plena, clara e
> cristalina reserva de jurisdição à quebra do sigilo dos registros das
> comunicações (os chamados "registros de conexão e acesso a aplicações",
> como consta do art. 15 § 3º. O procedimento judicial vem no art. 22 da
> mesma lei.
>
> O que autoridades policiais e o Ministério Público podem fazer é
> mandar um "*segura
> esses dados aí que eu já vou fazer o pedido ao juiz*", conforme autoriza o
> art. 15 § 2º, onde se lê que "a autoridade policial ou administrativa ou o
> Ministério Público poderá requerer cautelarmente que os registros de
> conexão sejam guardados por prazo superior ao previsto no caput". No caso,
> o prazo de guarda previsto no *caput *(= primeira parte de um artigo de lei)
> é de um ano. A ideia é que essas autoridades possam primeiro ordenar a
> guarda prolongada, para ganharem tempo (60 dias no caso) de correrem ao
> juiz para fazerem o pedido de acesso aos dados de registros de conexão e
> acesso a aplicações.
>
> O particular precisa fazer esse pedido ao juiz diretamente e com pressa,
> não tendo essa 'carta na manga' de pedir ao provedor que segure um
> pouquinho mais os dados, pois já vai entrar com a ação.
>
> *DADOS CADASTRAIS (nome, filiação, nascimento, endereço, telefone CPF,
> etc)*
> Não se aplica LGPD quando a situação envolve apuração de infrações penais.
> Aplica-se o Marco Civil, que diz no art. 10 § 3º que a superproteção
> conferida aos dados reveladores de privacidade, intimidade, etc não se
> aplica a dados cadastrais. Vejam: "3º O disposto no caput não impede o
> acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e
> endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham
> competência legal para a sua requisição."
>
> A questão é saber quais são essas autoridades não judiciais, o que a lei
> não disse especificamente.
>
> Há leis como a Lei de Organizações Criminosas e a Lei de Lavagem de
> Dinheiro que explicitamente prevêem a possibilidade de requisição pelo MP
> ou pela autoridade policial, sem interferência judicial. A questão é saber
> se isso se aplica a toda forma de apuração de ilícito penal ou só aos
> crimes tipificados nessas leis especiais. Os arts. 13-A e 13-B do Código de
> Processo Penal também colocam outros crimes como sujeitos a medidas de
> igual teor, como a disponibilização de informações sobre ERBs para crimes
> de sequestro, cárcere privado, tráfico de pessoas, etc, sem precisar de
> ordem judicial.
>
> Há uma questão interpretativa: saber se a lei silenciou eloquentemente
> quando deixou de dizer que essa inexistência de reserva de jurisdição é
> apenas para esses crimes ou se é para qualquer apuração criminal.
>
> *Então, de forma bem simples:*
>
> *quanto aos registros de conexão e acesso a aplicações*
> - ordem de promotor e delegado só serve para o provedor *evitar que os
> dados se percam*, ficando a autoridade policial ou o membro do MP aprazados
> em 60 dias para requererem ao juiz a ordem judicial que permitirá obter
> registros de conexão ou acesso a aplicações
> - *apenas *o juiz pode ordenar a exibição dos registros de conexão ou
> acesso a aplicações, conforme procedimento da Seção IV do Marco Civil da
> Internet.
>
> *quanto aos dados cadastrais dos assinantes do provedor*
> - é *certo *que MP e autoridade policial podem requisitar *sem *ordem
> judicial nos casos em que a atribuição persecutória envolver os crimes em
> que as leis processuais aplicáveis prevêem a obtenção dessas informações
> sem atuação judicial (por exemplo: persecução de crimes em quehá
> organização criminosa L12850: § 1º Considera-se organização criminosa a
> associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
> caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
> objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
> mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores
> a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.)
> - é *incerto *o que fazer no tocante à apuração de ilícitos não
> contemplados por essas leis que tem essa previsão de requisição direta pelo
> MP ou autoridade policial, por esse motivo não sendo ordem
> *manifestamente *ilegal
> do promotor ou delegado de polícia requisitar esses dados cadastrais
> diretamente, eis que há dissenso jurídico razoável a respeito (e aqui
> friso, sendo *DIFERENTE *do que se entende sobre o acesso a dados de
> registro de conexão e acesso a aplicações, onde é clara a reserva de
> jurisdição)
> - vejo como indispensável assessoria jurídica para respaldar as condutas e
> até atacar as requisições reputadas ilegais por parte das autoridades, como
> impetração de mandado de segurança e até habeas corpus (preventivo ou
> repressivo), se a advertência sobre o crime de obediência passar de uma
> mera advertência. E também para decidir o caso a caso, sensivelmente.
>
>
> Apesar de não atuar na seara criminal, é claro que como Defensor Público
> (no crime) vivemos a caçar provas ilícitas para forçar que o
> estado-acusador não se desincumba dos deveres de respeitar a lei. Na área
> cível, contudo, normalmente estamos ao lado dos lesados, não dos
> fraudadores/golpistas/etc, que se evadem rapidinho e jamais encontramos.
>
> Há uma responsabilidade social óbvia por parte dos provedores, mas a
> questão não é completamente clara e nem aponta inequivocamente sobre o que
> fazer nos casos limítrofes. Espero, contudo, ter aclarado uma parte do tema.
>
> Abraços,
>
>
>
> Em qua., 20 de out. de 2021 às 23:44, Rubens Kuhl <rubensk at gmail.com>
> escreveu:
>
>> On Wed, Oct 20, 2021 at 11:27 PM Alexandre Aleixo | Opticalhost
>> <alexandre at opticalhost.com.br> wrote:
>>> Oi Fernando,
>>>
>>>>> Acredito que existe uma divergência razoável em várias pessoas (com o
>>>>> input das respectivas Assessorias Jurídicas) com relação se o Delegado
>>>>> possui ou não a prerrogativa de exigir e receber esses dados sem a
>>>>> necessidade de uma autorização judicial,
>>> Repito: a autorização do Juiz é necessária à autoridade policial que
>> fará a
>>> diligência, devendo ser juntada no inquérito. Não é necessária a
>>> apresentação da autorização ao particular.
>>>
>>>>> inclusive com as implicações
>>>>> disso tanto contra a empresa que fornece e também que pode ser
>> utilizado
>>>>> à depender da astúcia da defesa do investigado para invalidar aquelas
>>>>> provar obtidas ilegalmente.
>>> Cabe à própria autoridade policial zelar pela legalidade do procedimento
>>> que está realizando, bem como da sua própria instituição e demais
>>> instituições do Estado em realizar o controle da atividade policial.
>>>
>>>>> Veja: desobedecer "ordem legal". Se a ordem for ilegal e se esse for
>>>>> entendimento do jurídico da empresa não há problema em "desobedecer" e
>>> A ordem é perfeitamente legal se a autoridade policial tiver o mandado
>>> assinado pelo Juiz no inquérito policial, mas não quiser lhe entregar uma
>>> cópia.
>>>
>>>>> se o Delegado ou quem for decidir por dar voz de prisão por uma suposta
>>>>> desobediência (na visão dele) certamente e imediatamente após esse ato
>>>>> um juiz terá que analisr a situação.
>>> Sim, eu expliquei a cadeia de eventos resumidamente na mensagem anterior.
>>>
>>> A grande questão é que você sendo culpado ou inocente, inexistirá
>> qualquer
>>> "sanção" à autoridade policial em uma situação dessas, sendo apenas você
>>> que terá o stress emocional e financeiro posteriormente, durante meses.
>>>
>>>>> Se o custo for mil Reais ou o que for, pessoalmente considero que vale
>>>>> muito a pena enfrentar essa situação para garantir que não esteja
>>> Eu tenho certeza que você mudaria de ideia se estivesse vivenciando um
>> caso
>>> concreto nessas circunstâncias, não um caso hipotético.
>>>
>>>>> atendendo a uma quebra de sigilo sem a devida autorização de um juiz e
>>>>> podendo causar diferentes prejuízos futuros para si e para a sociedade.
>>> O próprio Estado já possui as ferramentas e os meios pra realizar esse
>>> controle. Não há necessidade do particular fazê-lo.
>>>
>>>>> Acredito que para se contribuir no estabelecimento do que é certo e o
>>>>> que aqueles que entendem de forma diferente junto as respectivas
>>>>> Assessorias Jurídicas nesse tipo de situação vale muito a pena o custo.
>>>>> O que é certo é certo independente do custo que aquilo pode acarretar.
>>> Questione à essas assessorias jurídicas sobre a situação hipotética que
>>> mencionei no email anterior.
>>> Quais seriam os honorários em caso de aceite de uma transação penal e
>> quais
>>> seriam os honorários em caso de recusa da transação penal.
>>> Questione também quais poderiam ser os escopos da transação penal e quais
>>> seriam os possíveis resultados em caso de recusa da transação penal.
>>> Questione, ainda, o quanto esse caso hipotético contribuiria para o
>>> "estabelecimento do que é certo" no mundo jurídico, se viesse a se tornar
>>> real.
>>> E, por fim, pergunte o percentual de decisões injustas e completamente
>>> desarrazoadas com que essas assessorias se deparam diariamente.
>>>
>>>>> Sobre a questão da demora, se o solicitante tiver essa consciência e
>>>>> trouxer a autorização do juiz junto com o pedido tudo fica mais rápido
>> e
>>>>> não pairam dúvidas.
>>> Nem questionei a "demora"... Não é essa a justificativa.
>>> Não se trata de "ajudinha"... Se trata da prerrogativa da autoridade
>>> policial em requisitar a informação e da obrigação do particular em
>>> atendê-la.
>>>
>>>>> Gestores de empresas que respondem esse tipo de solicitação não
>> precisam
>>>>> ter cursado faculdade de Direito mas apenas ter acesso a alguma
>>>>> Assessoria Jurídica de confiança para saberem como proceder nessas
>>>>> situações
>>> Sim, a assessoria
>>>
>>> Mas muitos provedores pequenos não tem essa disponibilidade.
>>>
>>>
>>>>> e tentar colaborar para que a sociedade não seja prejudicada
>>>>> pelo cometimento de mais uma ilegalidade. E entre atrasar o
>> fornecimento
>>>>> das informações solicitadas devido à falta da autorização do juiz e ter
>>>>> que lidar com esse stress momentâneo da controvérsia ao invés de
>>>>> simplesmente entregar as informações e acabar por colaborar para o
>>>>> estabelecimento como normal de uma situação danosa à sociedade eu
>>>>> prefiro sem dúvida a primeira situação pois essa só vai causar
>> prejuízo
>>>>> à no máximo um ou poucos interessados, já a segunda causa prejuízo à
>>>>> toda a sociedade.
>>> Toda essa questão ideológica é legal, até você descobrir como o "sistema"
>>> funciona de verdade.
>>>
>>> Se lembra daquela frase do capitão Nascimento, no Tropa de Elite... "O
>>> sistema é f****, parceiro"?
>>>
>>> Pois é.
>>>
>>>>> Por fim não ceder à uma ordem aparentemente ilegal com ao respaldo da
>>>>> sua Assessoria Jurídica não é ser rude nem grosso.
>>>>> À todos que me perguntam eu digo justamente o contrário, para ser
>>>>> cortês, solícito e adiantar o que for possível internamente porém pedir
>>>>> que no meio tempo o solicitante peça a autorização do juiz.
>>> Ser rude ou grosso não é crime. Ninguém responde processo criminal por
>>> isso.
>>>
>>> Mas certamente seria um caminho pra que alguém responda um processo por
>>> algum crime/contravenção penal que possa estar cometendo, mas que a
>>> autoridade policial tenha feito "vista grossa" até então.
>>>
>>>>> Não só das assessorias jurídicas, mas de todos os policiais federais
>>>>> com quem já lidei em décadas.
>>>>> Todos eles já chegavam com ordem judicial debaixo do braço, e diziam
>>>>> que a ordem judicial era necessária para aqueles pedidos.
>>>>> Confirmado inclusive há poucos dias atrás com um PF que consultei
>>>>> depois desta thread.
>>> Oi Rubens,
>>>
>>> Concluindo com a mesma frase que eu iniciei esse email: a autorização do
>>> Juiz é necessária à autoridade policial que fará a diligência, devendo
>> ser
>>> juntada no inquérito. Mas não é necessária a apresentação da autorização
>> ao
>>> particular. Muito menos é permitido ao particular recusar o atendimento
>> da
>>> solicitação pela ausência da apresentação do mandado.
>>
>> Não foi o que nenhum desses policiais federais me disse. Essa é a sua
>> leitura da legislação, mas não a prevalente entre essas autoridades.
>> Todas sem exceção me disseram para me ater ao que estivesse escrito na
>> ordem judicial.
>>
>>
>> Rubens
>> --
>> gter list https://eng.registro.br/mailman/listinfo/gter
>>
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