[GTER] RES: Sobre solicitação de informações de clientes de ISP por autoridades

Lucas Willian Bocchi lucas.bocchi at gmail.com
Thu Oct 21 06:17:35 -03 2021


Bom dia.
Senhores: creio não ser o objetivo da lista discutir este assunto, por mais
interessante que seja. Como falei, isto está dando em nada, como as
discussões anteriores do mesmo assunto na lista. Em minha opinião,
contratar profissionais especialistas em direito digital e realmente
preparar um embasamento baseado na sua realidade (seu juiz da comarca,
compadre do delegado da PF, irmão do promotor).

Em qui., 21 de out. de 2021 03:09, Felipe Drummond <felipedrummond at gmail.com>
escreveu:

> Prezados,
>
> sou da área jurídica, atualmente Defensor Público, mas como uma espécie de
> hobbista do setor de telecom, gosto de ler esse grupo.
>
> Permitam-me algumas considerações.
>
> *RESERVA DE JURISDIÇÃO* é o nome que se dá aos poderes exclusivos do juiz.
> Decretação de prisão (ex: prisão preventiva) é um deles (outras pessoas só
> podem prender em flagrante delito).
> Interceptação telefônica ("grampo") é outro deles.
>
> O Marco Civil da internet é claríssimo ao conferir plena, clara e
> cristalina reserva de jurisdição à quebra do sigilo dos registros das
> comunicações (os chamados "registros de conexão e acesso a aplicações",
> como consta do art. 15 § 3º. O procedimento judicial vem no art. 22 da
> mesma lei.
>
> O que autoridades policiais e o Ministério Público podem fazer é
> mandar um "*segura
> esses dados aí que eu já vou fazer o pedido ao juiz*", conforme autoriza o
> art. 15 § 2º, onde se lê que "a autoridade policial ou administrativa ou o
> Ministério Público poderá requerer cautelarmente que os registros de
> conexão sejam guardados por prazo superior ao previsto no caput". No caso,
> o prazo de guarda previsto no *caput *(= primeira parte de um artigo de
> lei)
>  é de um ano. A ideia é que essas autoridades possam primeiro ordenar a
> guarda prolongada, para ganharem tempo (60 dias no caso) de correrem ao
> juiz para fazerem o pedido de acesso aos dados de registros de conexão e
> acesso a aplicações.
>
> O particular precisa fazer esse pedido ao juiz diretamente e com pressa,
> não tendo essa 'carta na manga' de pedir ao provedor que segure um
> pouquinho mais os dados, pois já vai entrar com a ação.
>
> *DADOS CADASTRAIS (nome, filiação, nascimento, endereço, telefone  CPF,
> etc)*
> Não se aplica LGPD quando a situação envolve apuração de infrações penais.
> Aplica-se o Marco Civil, que diz no art. 10  § 3º que a superproteção
> conferida aos dados reveladores de privacidade, intimidade, etc não se
> aplica a dados cadastrais. Vejam: "3º O disposto no caput não impede o
> acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e
> endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham
> competência legal para a sua requisição."
>
> A questão é saber quais são essas autoridades não judiciais, o que a lei
> não disse especificamente.
>
> Há leis como a Lei de Organizações Criminosas e a Lei de Lavagem de
> Dinheiro que explicitamente prevêem a possibilidade de requisição pelo MP
> ou pela autoridade policial, sem interferência judicial. A questão é saber
> se isso se aplica a toda forma de apuração de ilícito penal ou só aos
> crimes tipificados nessas leis especiais. Os arts. 13-A e 13-B do Código de
> Processo Penal também colocam outros crimes como sujeitos a medidas de
> igual teor, como a disponibilização de informações sobre ERBs para crimes
> de sequestro, cárcere privado, tráfico de pessoas, etc, sem precisar de
> ordem judicial.
>
> Há uma questão interpretativa: saber se a lei silenciou eloquentemente
> quando deixou de dizer que essa inexistência de reserva de jurisdição é
> apenas para esses crimes ou se é para qualquer apuração criminal.
>
> *Então, de forma bem simples:*
>
> *quanto aos registros de conexão e acesso a aplicações*
> - ordem de promotor e delegado só serve para o provedor *evitar que os
> dados se percam*, ficando a autoridade policial ou o membro do MP aprazados
> em 60 dias para requererem ao juiz a ordem judicial que permitirá obter
> registros de conexão ou acesso a aplicações
> - *apenas *o juiz pode ordenar a exibição dos registros de conexão ou
> acesso a aplicações, conforme procedimento da Seção IV do Marco Civil da
> Internet.
>
> *quanto aos dados cadastrais dos assinantes do provedor*
> - é *certo *que MP e autoridade policial podem requisitar *sem *ordem
> judicial nos casos em que a atribuição persecutória envolver os crimes em
> que as leis processuais aplicáveis prevêem a obtenção dessas informações
> sem atuação judicial (por exemplo: persecução de crimes em quehá
> organização criminosa L12850: § 1º Considera-se organização criminosa a
> associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
> caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
> objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
> mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores
> a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.)
> - é *incerto *o que fazer no tocante à apuração de ilícitos não
> contemplados por essas leis que tem essa previsão de requisição direta pelo
> MP ou autoridade policial, por esse motivo não sendo ordem
> *manifestamente *ilegal
> do promotor ou delegado de polícia requisitar esses dados cadastrais
> diretamente, eis que há dissenso jurídico razoável a respeito (e aqui
> friso, sendo *DIFERENTE *do que se entende sobre o acesso a dados de
> registro de conexão e acesso a aplicações, onde é clara a reserva de
> jurisdição)
> - vejo como indispensável assessoria jurídica para respaldar as condutas e
> até atacar as requisições reputadas ilegais por parte das autoridades, como
> impetração de mandado de segurança e até habeas corpus (preventivo ou
> repressivo), se a advertência sobre o crime de obediência passar de uma
> mera advertência. E também para decidir o caso a caso, sensivelmente.
>
>
> Apesar de não atuar na seara criminal, é claro que como Defensor Público
> (no crime) vivemos a caçar provas ilícitas para forçar que o
> estado-acusador não se desincumba dos deveres de respeitar a lei. Na área
> cível, contudo, normalmente estamos ao lado dos lesados, não dos
> fraudadores/golpistas/etc, que se evadem rapidinho e jamais encontramos.
>
> Há uma responsabilidade social óbvia por parte dos provedores, mas a
> questão não é completamente clara e nem aponta inequivocamente sobre o que
> fazer nos casos limítrofes. Espero, contudo, ter aclarado uma parte do
> tema.
>
> Abraços,
>
>
>
> Em qua., 20 de out. de 2021 às 23:44, Rubens Kuhl <rubensk at gmail.com>
> escreveu:
>
> > On Wed, Oct 20, 2021 at 11:27 PM Alexandre Aleixo | Opticalhost
> > <alexandre at opticalhost.com.br> wrote:
> > >
> > > Oi Fernando,
> > >
> > > >>Acredito que existe uma divergência razoável em várias pessoas (com o
> > > >>input das respectivas Assessorias Jurídicas) com relação se o
> Delegado
> > > >>possui ou não a prerrogativa de exigir e receber esses dados sem a
> > > >>necessidade de uma autorização judicial,
> > >
> > > Repito: a autorização do Juiz é necessária à autoridade policial que
> > fará a
> > > diligência, devendo ser juntada no inquérito. Não é necessária a
> > > apresentação da autorização ao particular.
> > >
> > > >>inclusive com as implicações
> > > >>disso tanto contra a empresa que fornece e também que pode ser
> > utilizado
> > > >>à depender da astúcia da defesa do investigado para invalidar aquelas
> > > >>provar obtidas ilegalmente.
> > >
> > > Cabe à própria autoridade policial zelar pela legalidade do
> procedimento
> > > que está realizando, bem como da sua própria instituição e demais
> > > instituições do Estado em realizar o controle da atividade policial.
> > >
> > > >>Veja: desobedecer "ordem legal". Se a ordem for ilegal e se esse for
> > > >>entendimento do jurídico da empresa não há problema em "desobedecer"
> e
> > >
> > > A ordem é perfeitamente legal se a autoridade policial tiver o mandado
> > > assinado pelo Juiz no inquérito policial, mas não quiser lhe entregar
> uma
> > > cópia.
> > >
> > > >>se o Delegado ou quem for decidir por dar voz de prisão por uma
> suposta
> > > >>desobediência (na visão dele) certamente e imediatamente após esse
> ato
> > > >>um juiz terá que analisr a situação.
> > >
> > > Sim, eu expliquei a cadeia de eventos resumidamente na mensagem
> anterior.
> > >
> > > A grande questão é que você sendo culpado ou inocente, inexistirá
> > qualquer
> > > "sanção" à autoridade policial em uma situação dessas, sendo apenas
> você
> > > que terá o stress emocional e financeiro posteriormente, durante meses.
> > >
> > > >>Se o custo for mil Reais ou o que for, pessoalmente considero que
> vale
> > > >>muito a pena enfrentar essa situação para garantir que não esteja
> > >
> > > Eu tenho certeza que você mudaria de ideia se estivesse vivenciando um
> > caso
> > > concreto nessas circunstâncias, não um caso hipotético.
> > >
> > > >>atendendo a uma quebra de sigilo sem a devida autorização de um juiz
> e
> > > >>podendo causar diferentes prejuízos futuros para si e para a
> sociedade.
> > >
> > > O próprio Estado já possui as ferramentas e os meios pra realizar esse
> > > controle. Não há necessidade do particular fazê-lo.
> > >
> > > >>Acredito que para se contribuir no estabelecimento do que é certo e o
> > > >>que aqueles que entendem de forma diferente junto as respectivas
> > > >>Assessorias Jurídicas nesse tipo de situação vale muito a pena o
> custo.
> > > >>O que é certo é certo independente do custo que aquilo pode
> acarretar.
> > >
> > > Questione à essas assessorias jurídicas sobre a situação hipotética que
> > > mencionei no email anterior.
> > > Quais seriam os honorários em caso de aceite de uma transação penal e
> > quais
> > > seriam os honorários em caso de recusa da transação penal.
> > > Questione também quais poderiam ser os escopos da transação penal e
> quais
> > > seriam os possíveis resultados em caso de recusa da transação penal.
> > > Questione, ainda, o quanto esse caso hipotético contribuiria para o
> > > "estabelecimento do que é certo" no mundo jurídico, se viesse a se
> tornar
> > > real.
> > > E, por fim, pergunte o percentual de decisões injustas e completamente
> > > desarrazoadas com que essas assessorias se deparam diariamente.
> > >
> > > >>Sobre a questão da demora, se o solicitante tiver essa consciência e
> > > >>trouxer a autorização do juiz junto com o pedido tudo fica mais
> rápido
> > e
> > > >>não pairam dúvidas.
> > >
> > > Nem questionei a "demora"... Não é essa a justificativa.
> > > Não se trata de "ajudinha"... Se trata da prerrogativa da autoridade
> > > policial em requisitar a informação e da obrigação do particular em
> > > atendê-la.
> > >
> > > >>Gestores de empresas que respondem esse tipo de solicitação não
> > precisam
> > > >>ter cursado faculdade de Direito mas apenas ter acesso a alguma
> > > >>Assessoria Jurídica de confiança para saberem como proceder nessas
> > > >>situações
> > >
> > > Sim, a assessoria
> > >
> > > Mas muitos provedores pequenos não tem essa disponibilidade.
> > >
> > >
> > > >>e tentar colaborar para que a sociedade não seja prejudicada
> > > >>pelo cometimento de mais uma ilegalidade. E entre atrasar o
> > fornecimento
> > > >>das informações solicitadas devido à falta da autorização do juiz e
> ter
> > > >>que lidar com esse stress momentâneo da controvérsia ao invés de
> > > >>  simplesmente entregar as informações e acabar por colaborar para o
> > > >>  estabelecimento como normal de uma situação danosa à sociedade eu
> > > >>  prefiro sem dúvida a primeira situação pois essa só vai causar
> > prejuízo
> > > >>  à no máximo um ou poucos interessados, já a segunda causa prejuízo
> à
> > > >>  toda a sociedade.
> > >
> > > Toda essa questão ideológica é legal, até você descobrir como o
> "sistema"
> > > funciona de verdade.
> > >
> > > Se lembra daquela frase do capitão Nascimento, no Tropa de Elite... "O
> > > sistema é f****, parceiro"?
> > >
> > > Pois é.
> > >
> > > >>Por fim não ceder à uma ordem aparentemente ilegal com ao respaldo da
> > > >>sua Assessoria Jurídica não é ser rude nem grosso.
> > > >>À todos que me perguntam eu digo justamente o contrário, para ser
> > > >>cortês, solícito e adiantar o que for possível internamente porém
> pedir
> > > >>que no meio tempo o solicitante peça a autorização do juiz.
> > >
> > > Ser rude ou grosso não é crime. Ninguém responde processo criminal por
> > > isso.
> > >
> > > Mas certamente seria um caminho pra que alguém responda um processo por
> > > algum crime/contravenção penal que possa estar cometendo, mas que a
> > > autoridade policial tenha feito "vista grossa" até então.
> > >
> > > >>Não só das assessorias jurídicas, mas de todos os policiais federais
> > > >>com quem já lidei em décadas.
> > > >>Todos eles já chegavam com ordem judicial debaixo do braço, e diziam
> > > >>que a ordem judicial era necessária para aqueles pedidos.
> > > >>Confirmado inclusive há poucos dias atrás com um PF que consultei
> > > >>depois desta thread.
> > >
> > > Oi Rubens,
> > >
> > > Concluindo com a mesma frase que eu iniciei esse email: a autorização
> do
> > > Juiz é necessária à autoridade policial que fará a diligência, devendo
> > ser
> > > juntada no inquérito. Mas não é necessária a apresentação da
> autorização
> > ao
> > > particular. Muito menos é permitido ao particular recusar o atendimento
> > da
> > > solicitação pela ausência da apresentação do mandado.
> >
> >
> > Não foi o que nenhum desses policiais federais me disse. Essa é a sua
> > leitura da legislação, mas não a prevalente entre essas autoridades.
> > Todas sem exceção me disseram para me ater ao que estivesse escrito na
> > ordem judicial.
> >
> >
> > Rubens
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>
>
> --
> *Felipe Drummond*
> *felipedrummond [at] gmail [dot] com*
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