[GTER] Sobre solicitação de informações de clientes de ISP por autoridades

Alexandre Aleixo | Opticalhost alexandre at opticalhost.com.br
Thu Oct 14 22:01:36 -03 2021


Fernando, boa noite,

Temos que tomar muito cuidado ao praticarmos a "nossa própria" hermenêutica
jurídica porque esse exercício é extremamente abrangente e repleto de
"armadilhas interpretativas".

>>Nem Delegado de Polícia nem Promoto Público são autoridades judiciais.

O delegado é autoridade judicial, visto que a Polícia Civil e a Polícia
Federal são polícias judiciárias conforme dispõe a Constituição Federal
(art. 144, §1º, IV, c/c §4º).

E esse é o meu gancho pra esclarecer que "autoridade judicial" não é
somente o juiz de direito.

"Autoridade judicial" é gênero e "juiz" é espécie, tal como "desembargador"
ou... "delegado".

(Não vou adentrar na definição de "promotor público" aqui porque é algo
altamente complexo, devido à sua independência institucional, funcionando
como um espécie de "quarto poder" no sistema de freios e contra-pesos e,
por isso, sendo mais delicado do que essa lista nos possibilitaria tratar,
contudo, há de se destacar que uma das funções do MP é, exatamente, exercer
o controle da atividade policial (principalmente a judiciária),
determinando até mesmo o retorno do inquérito à autoridade policial para
que sejam realizadas diligências (art. 129, VII, c/c VIII, da CF/88).

>>não podem ter acesso à informações que envolvem quebra de
>>sigilo sem antes solicitar ao juiz competente

Aí que está a questão. O fato de o delegado ser obrigado a obter a
autorização do Juiz para realizar a diligência não cria ao cidadão a
obrigação de confirmar se tal autorização foi, de fato, concedida pelo Juiz
ou não antes de atender à requisição do delegado, muito menos autoriza o
cidadão a negar o fornecimento das informações.

>>E para quebra de sigilo deve envolver necessariamente uma
>>autorização de um juiz. Veja bem o que diz o texto da lei:
>>§ 5º Em **qualquer hipótese**, a disponibilização ao requerente dos
>>registros de que trata este artigo **deverá ser precedida de autorização
>>judicial**, conforme disposto na Seção IV deste Capítulo.

Então... Cuidado com a hermenêutica jurídica...

"deverá ser precedida de autorização judicial"

Certo! Já vimos que o delegado é autoridade judicial, segundo a
Constituição Federal, né?

Logo, a intimação policial expedida pelo delegado é uma autorização
judicial (lê-se DETERMINAÇÃO judicial) para fins de disponibilização da
informação àquela unidade de polícia, atingindo, exclusivamente, a relação
"delegado-provedor-cliente".

Tá, mas onde é que entra o Juiz, então?

Entra em outra relação: na relação "delegado-juiz-cliente" ou, melhor
exemplificando, na relação "Estado-juiz-acusado".

É nessa relação "Estado-juiz-acusado" é que se irá auferir a legalidade dos
atos promovidos no âmbito do inquérito policial, sendo do Estado a
responsabilidade de indenizar eventuais excessos ou ilegalidades cometidas
por seus agentes no exercício da função.

>>"Qualquer hipótese" não dá margem para dizer "mas nesse caso não é bem
>>assim".

Cuidado com a hermenêutica jurídica...

>>É importante também mencionar que as empresas que disponibilizam essas
>>informações sem um mandado judicial acabam gerando um passivo jurídico
>>para a empresa

Não está, pois a intimação expedida pelo delegado é legítima na
relação "delegado-provedor-cliente", não sendo cabível indenização
particular do provedor ao cliente se aquele possui a referida intimação.

>>Ninguém é obrigado a cumprir uma determinação ilegal e o
>>correto no caso de coação ou ameaça de autoridades em nome do Estado
>>para acesso aos dados fora do que diz a lei é acionar o próprio
>>judiciário.Se a empresa simplesmente entrega a informação que mais
>>tarde desdobra em um processo judicial aquela parte supostamente
>>prejudicada pode implicar a empresa a responder por ter disponibilizado
>>uma informação proveniente de quebra de sigilo sem a devida autorização
>>judicial como diz a lei.

A ordem expedida pelo delegado é legal na
relação "delegado-provedor-cliente" e persistirá sendo legal nesta relação,
independentemente se, na relação "Estado-juiz-acusado" for verificada
ilegalidade posterior.

>>Existem advogados e advogados. Não creio que a maioria tenha se
>>debruçado sobre esse assunto tão específico suficientemente, então eu
>>particularmente desconfio quando o entendimento é de entregar os dados
>>sem mais nem menos.

Não é "sem mais nem menos". É mediante intimação de um delegado de polícia,
que é uma autoridade judiciária, com dever legal de realização de
investigação. Não é o Zé da pastelaria pedindo a informação.

>>Existem pessoas e escritórios no mercado que possuem
>>profissionais que realmente se debruçam sobre este assunto e discutem
>>tanto com colegas da área jurídica quanto da área técnica para
>>estabelecer um entendimento sólido sobre o assunto. Vejo que é muito
>>difícil para apenas uma pessoa da área técnica ou mesmo da área jurídica
>>sozinhas elaborar algo seguro sobre esse assunto.

Sobre os inúmeros aspectos da LGPD, sim, concordo que a matéria é complexa,
principalmente por ser tão recente.

Mas, quanto ao atendimento da intimação expedida pelo delegado de polícia e
as implicações jurídicas decorrentes do mesmo, inexiste complexidade no
assunto. É bem simples, na verdade.

>>porém mais importante ainda é que a empresa conheça
>>  o devido processo legal e forneça apenas as informações quando a lei
>>  ampara

Descabe ao cidadão ou à empresa particular avaliar se o delegado está
cumprindo ou não o devido processo legal.

É claro que o cidadão ou a empresa particular podem levar a intimação do
delegado ao Juiz, como poderia fazê-lo em qualquer outro ato emanado por
qualquer outro agente da administração pública, CONTUDO, diferentemente do
que você indicou, tal providência é desnecessária, pois não cabe ao cidadão
"validar" a atividade do delegado, mas sim ao próprio delegado validar os
seus atos com as autoridades superiores à ele.

Alexandre Aleixo





Em qui., 14 de out. de 2021 às 18:05, Fernando Frediani <
fhfrediani at gmail.com> escreveu:

> Olá André
>
> Nem Delegado de Polícia nem Promoto Público são autoridades judiciais e
> portanto não podem ter acesso à informações que envolvem quebra de
> sigilo sem antes solicitar ao juiz competente. Existe talvez uma
> confusão comum entre as competências de um Delegado, de um Promotor e de
> um Juiz de Direto.
>
> Quando qualquer uma dessas autoridades (Delegado, Promotor, Advogado,
> etc) pedem para o provedor identificar um usuário *ele não conhece ainda
> quem é a pessoa*, portanto o ISP deve realizar antes de tudo uma quebra
> de sigilo para então poder então disponibilizar os dados cadastrais do
> cliente. E para quebra de sigilo deve envolver necessariamente uma
> autorização de um juiz. Veja bem o que diz o texto da lei:
>
> § 5º Em **qualquer hipótese**, a disponibilização ao requerente dos
> registros de que trata este artigo **deverá ser precedida de autorização
> judicial**, conforme disposto na Seção IV deste Capítulo.
>
> "Qualquer hipótese" não dá margem para dizer "mas nesse caso não é bem
> assim". E quem assina autorização judicial é somente o Juiz.
> É importante que seja dessa forma para coibir abusos por parte de
> agentes do Estado e garantir que esses possam ter acesso às informações
> que realmente necessitam seguindo o devido processo legal e com a
> revisão prévia de um juiz. Então não é por acaso nem pra criar
> dificuldades desnecessárias que a lei estipula dessa maneira.
>
> Existe uma lei anterior ao Marco Civil que dá a possibilidade dessas
> autoridades solicitarem informações cadastrais de clientes, porém veja a
> diferença: nesse caso quem solicita *já conhece a identidade da pessoa
> previamente* e apenas pede os dados cadastrais e não para quebrar o
> sigilo de navegação do usuário.
>
> Também é importante deixar claro que o NIC não é exatamente um órgão
> regulador de endereços IP. O NIC.br apenas aplica as regras referente à
> atribuição de endereços IP e que são elaboradas no âmbito do LACNIC. Não
> existe sanção legal caso alguém resolva usar um IP que não está
> registrado na base de dados do Whois do NIC.br ou LACNIC. No entanto na
> prática isso felizmente não acontece devido a maioria das redes seguirem
> as boas práticas de filtros baseado nas informações que essas entidades
> disponibilizam publicamente. É uma convenção.
>
> É importante também mencionar que as empresas que disponibilizam essas
> informações sem um mandado judicial acabam gerando um passivo jurídico
> para a empresa. Ninguém é obrigado a cumprir uma determinação ilegal e o
> correto no caso de coação ou ameaça de autoridades em nome do Estado
> para acesso aos dados fora do que diz a lei é acionar o próprio
> judiciário. Se a empresa simplesmente entrega a informação que mais
> tarde desdobra em um processo judicial aquela parte supostamente
> prejudicada pode implicar a empresa a responder por ter disponibilizado
> uma informação proveniente de quebra de sigilo sem a devida autorização
> judicial como diz a lei. E não adianta argumentar que foi porque quem
> pediu era determinada autoridade.
>
> Existem advogados e advogados. Não creio que a maioria tenha se
> debruçado sobre esse assunto tão específico suficientemente, então eu
> particularmente desconfio quando o entendimento é de entregar os dados
> sem mais nem menos. Existem pessoas e escritórios no mercado que possuem
> profissionais que realmente se debruçam sobre este assunto e discutem
> tanto com colegas da área jurídica quanto da área técnica para
> estabelecer um entendimento sólido sobre o assunto. Vejo que é muito
> difícil para apenas uma pessoa da área técnica ou mesmo da área jurídica
> sozinhas elaborar algo seguro sobre esse assunto.
>
> Por fim é importante e papel social de cada empresa colaborar com a
> resolução de investigações e crimes afinal de contas aquilo sempre é
> contra a sociedade, porém mais importante ainda é que a empresa conheça
> o devido processo legal e forneça apenas as informações quando a lei
> ampara e não apenas para dar por encerrado aquele assunto ou porque
> parece justo na visão dela.
>
> Fernando
>
> Em 14/10/2021 16:58, Andre Bolzan escreveu:
> > BOAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA para bens pelo trabalho... Faz tempo que
> > procuramos sobre e achamos muito pouco.
> >
> > Não querendo colocar "fogo no parquinho", só querendo debater o
> assunto...
> > Debati muito com alguns advogados sobre esse assunto, consultamos alguns
> > escritórios especializados e vários advogados diferentes, todos fora
> > unânimes:
> >
> > O Delegado de policia tem autonomia de pedir informações do assinante
> SIM.
> >
> > Tentar explica:
> >
> > A confidencialidade prevista no marco civil e LGPD é sobre a *informação*
> > (conteúdo da mensagem enviada) não sobre o 'remetente / destinatário'
> >
> > O endereço *IP* é como uma placa de carro, ela não pertence ao dono do
> > carro , mas ao órgão regulador. O IP é regulado pelo NIC, que autoriza
> uso
> > ao provedor a usar.
> >
> > Se uma empresa de Locação de carro receber uma notificação de *D.P.*
> > (Delegado de policia) na etapa de investigação que ele precisa informar
> > condutor do veiculo X na data Y, o delegado terá acesso.
> >
> > Se trocarmos para provedor, o * D.P. *pede a classificação do
> > usuário(condutor), ele já tem a informação de IP e horário, só quer saber
> > quem é a pessoa responsável.
> >
> > Muitas vezes o D.P.quer a informação para somar as provas e qualificar um
> > suspeito que já tem uma processo de inquerito.
> >
> > Outro argumento é o papel da sociedade civil de colaborar com o
> > esclarecimento dos fatos, ex:
> >
> > Do uso de câmera de vigilância residencial, quem foi filmado não
> autorizou
> > via termo ser filmado, nem o D.P.pediu via formal as imagens, mas a
> sessão
> > do dado pro parti do morador é boa fé em colaboração do *D.P. *
> >
> > Adoraria debate isso com copo de cerveja na mão ou em algum fórum kkkk
> >
> > Convidar alguns advogados para explica com mais detalhes essa parte da
> > colaboração da sociedade civil, dos papeis do advogado, etc
> >
> > Longe de mim criticas, só quero debater, recebemos em 2 clientes
> diferentes
> > essa notificação de qualificação, 3 escritórios de cidades(Sorocaba,
> > campinas e SP) diferente recomendaram responder ao D.P e foram muito
> > conviventes na argumentação deles rsrr
> >
> >
> > Em qui., 14 de out. de 2021 às 13:14, Douglas Fischer <
> > fischerdouglas at gmail.com> escreveu:
> >
> >> Fizemos uma publicação sobre isso no site da Mad4it.
> >>
> >> Não é uma palavra final sobre o assunto, e nem se propõe a ser uma
> palavra
> >> final.
> >> Propositalmente optamos por não fazer nenhuma referência a legislações
> >> justamente porque o fornecimento desse tipo de informação cabe a
> >> assessorias jurídicas.
> >>
> >> Adianto que sempre caberá uma ou outra correção nessas orientações que
> >> passamos, e sugestões sobre o texto são bem vindas(não necessariamente
> >> acatadas).
> >>
> >> https://www.made4it.com.br/solicitacao-de-informacoes-de-clientes/
> >>
> >> --
> >> Douglas Fernando Fischer
> >> Engº de Controle e Automação
> >> --
> >> gter list    https://eng.registro.br/mailman/listinfo/gter
> >>
> >
> --
> gter list    https://eng.registro.br/mailman/listinfo/gter
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